O C. Superior Tribunal de Justiça veio a entender que a determinação da retenção de passaporte em execução judicial configura uma ordem ilegal, violando assim o direito de ir e vir do executado.
Antes da análise das questões de mérito, houve a discussão pela análise do cabimento de habeas corpus para fins de afastar qualquer norma coativa imposta pelo Código de Processo Civil, que restrinja o direito de ir e vir, como sucedâneo de recurso.
Tal apreciação ocorreu pois o E. Tribunal de Justiça havia extinguido o HC interposto contra decisão que havia determinado a entrega do passaporte do paciente, pois aplicava o artigo 1.015 do CPC que indica o Agravo de Instrumento como recurso indicado para desafiar a decisão objurgada.
Contudo, perfilando entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, acabou por receber o HC impetrado, entendendo que houve uma violação do direito de ir e vir do impetrante, sendo, portanto passível de conhecimento o writ.
Ao adentrar ao mérito, no Recurso em HC 97.876/SP de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, inicia seu raciocínio destacando que embora as normas modernas de processo civil busquem a efetividade jurisdicional, elas não podem se distanciar dos ditames constitucionais, ainda mais quando baseado em normas discricionárias que possam restringir direitos individuais.
Deveras, o artigo 139, IV do Código de Processo Civil outorga ao Magistrado os poderes para realização de atos concretos para alcançar a efetividade do procedimento.
Contudo, o comando é uma norma discricionária, conferindo ao Magistrado, no caso concreto uma análise sobre quais os atos que deverá adotar, para aquele procedimento, visando assim alcançar o resultado útil.
Ou seja, o Código de Processo Civil não enumera a retenção do passaporte como um dos comportamentos a ser adotado pelo Magistrado como resultado útil, sendo que a interpretação das medidas sub-rogatórias autorizadas para atingir a satisfação da execução devem se ater aos ditames constitucionais, dentro de interpretações constitucioanlamente possíveis.
Assim, este discricionariedade não pode violar as garantias individuais básicas garantidas pela Constituição Federal, entendendo o Relator que “..a incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-à coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.
Como o próprio Código de Processo Civil impõe ao Magistrado a observação dos fins sociais e as exigências do bem comum, dentro da proporcionalidade, razoabilidade e legalidade, entendeu o C. STJ que tal medida é dessarazoada.
O voto caminha no sentido de considerar a proporcionalidade e razoabilidade da medida para fins de atingir ao fim almejado, sendo que a retenção do passaporte cria sério embaraço ao direito de locomoção do titular, enquanto que a medida executiva atipica não demonstra sua absoluta necessidade para fins de recebimento do crédito, ferindo aí a norma constitucional.
Por fim, o C. STJ indica que somente será permitido tal medida após a abertura do contraditório, bem como a aplicação de tal medida de forma justificada. Quer seja o devedor iminente a fugir do país para não pagar suas obrigações, quer em face de dilapidação patrimonia. Ou seja, se houver a chance do contraditório e a fundamentação da medida, de forma razoavél e proporcional, dentro do caso concreto, a medida excecpcional de retenção de passaporte pode ser aplicada.
Neste mesmo julgamento contudo, o Ministro realçou o entendimento já firmado que tal raciocínio não se aplica para a Carteira Nacional de Trânsito, sendo que neste caso permitido a retenção.
Para o C. STJ a retenção da CNH não retira a liberdade de ir e vir do cidadão, desde que não venha a ser o condutor do veículo. Raciocínio em contrário, levaria ao entendimento de que todo aquele que não possuí CNH tem embaraços no seu direito de ir e vir, o que não é verdadeiro.
