A proteção jurídica do consumidor superendividado: avanços e desafios da Lei 14.181/21
O superendividamento tornou-se uma realidade preocupante no Brasil. Milhões de consumidores comprometem quase toda a renda com dívidas, e poucos sabem que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi atualizado para enfrentar esse problema.
A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, trouxe novas garantias e obrigações para equilibrar a relação entre credores e devedores.
1. Conceito e fundamentos legais
O artigo 54-A, §1º, do CDC define o superendividamento como a impossibilidade de o consumidor, de boa-fé, pagar suas dívidas de consumo sem comprometer sua subsistência e a de sua família.
O fundamento jurídico repousa sobre três pilares:
- Dignidade da pessoa humana;
- Boa-fé objetiva;
- Função social do contrato (art. 421 do Código Civil).
Esses princípios transformam o tratamento do crédito de um simples negócio financeiro em um instrumento de justiça social.
2. Inovações trazidas pela Lei 14.181/21
A lei cria mecanismos de prevenção e tratamento do superendividamento. Entre as principais inovações:
- Avaliação prévia da capacidade de pagamento do consumidor (crédito responsável, art. 54-D);
- Proibição de assédio comercial e publicidade enganosa voltada a idosos e vulneráveis (art. 54-C);
- Criação do procedimento de repactuação de dívidas, judicial ou extrajudicial (arts. 104-A a 104-C);
- Previsão de audiência global de conciliação, convocando todos os credores para formular um plano coletivo de pagamento em até 5 anos.
Essa sistemática é comparável à recuperação judicial das empresas, mas adaptada à realidade da pessoa física.
3. O papel do Judiciário e dos órgãos de defesa
O Judiciário assume função mediadora, estimulando acordos que respeitem o equilíbrio contratual e a viabilidade do pagamento. O Tribunal de Justiça de São Paulo oferece um link próprio para os superendividados apresentarem suas propostas.
Já os Procons e Defensorias Públicas ganham papel estratégico, atuando em núcleos de mediação e orientação financeira.
Esses órgãos fortalecem o acesso à Justiça e reduzem o risco de exclusão social causada pelo endividamento extremo.
4. Desafios práticos de implementação
Apesar dos avanços, há entraves importantes:
- Resistência dos credores em participar das audiências;
- Estrutura limitada dos órgãos conciliadores;
- Falta de divulgação e de educação financeira nas escolas e meios de comunicação;
- Necessidade de formação técnica para aplicadores do direito e servidores.
5. Conclusão: crédito com dignidade
A Lei do Superendividamento marca um novo capítulo no Direito do Consumidor brasileiro.
Mais do que permitir renegociar dívidas, ela reafirma o direito ao mínimo existencial e a função social do crédito.
O desafio agora é fazer com que o texto legal se torne prática cotidiana — equilibrando o poder econômico dos credores e o direito do consumidor de recomeçar com dignidade.